Pesquisas comCUCA

terça-feira, 31 de março de 2009

A luta poética dos estudantes

Segunda feira, 23 de março de 2009. Um grupo de estudantes se reúne no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UEPB, antigo Museu de Artes Assis Chateaubriand. “Como Vai camarada?!” é a saudação dos presentes a quem chega para a reunião que está marcada para começar às 15hs.
Enquanto a Assembléia não é formada e a reunião não começa, vários grupos vão se formando nos corredores. As conversas giram em torno do tema da reunião: “A Manifestação Contra o Aumento da Passagem”, que acontecerá na terça- feira. Um jovem alto e magro se aproxima de um dos grupos e logo o olhar dos integrantes volta- se para ele. Com sua barba longa e a atenção que todos dão as suas palavras, o jovem estudante parece com um “Conselheiro” de uma nova “Canudos” preste a surgir.
“Camaradas logo após a reunião, vamos nos concentrar ali, aponta a sala com um grande tablado de madeira, perto de um bebedouro, para planejarmos a intervenção do Teatro do Oprimido que faremos amanhã durante a manifestação”. Diz o jovem que não se chama Antônio, mas Ítalo Jones, coordenador de Cultura do Centro Universitário de Cultura e Arte de Campina Grande – CUCACG. Ítalo foi um dos responsáveis pela implantação e divulgação do Teatro do Oprimido em Campina Grande, no dia anterior a reunião ele entrou em contato com várias pessoas convidando-as para participarem de uma intervenção teatral, eu mesmo fui um dos que aceitou o convite.

“A flor da palavra não morrerá. Poderá morrer o rosto oculto de quem hoje a nomeia, mas a palavra que veio desde o fundo da história e da terra já não poderá ser arrancada pela soberba do poder.” (Subcomandante Marcos)

A reunião


Passam das 15hs e 30min, quando a assembléia é formada , para o inicio da reunião. O ar condicionado do auditório do antigo MAC ajuda a dar uma aliviada no calor, e já podemos ver rostos menos suados e mais aliviados, mas só do calor não da ansiedade pelo inicio. A equipe que vai coordenar a reunião é formada, e uma proposta de pauta é apresentada para os presentes:
“Companheiros! A pauta de nossa reunião será a seguinte: Informes, o Ato como um todo e Encaminhamentos”. O anuncio é feito pelo estudante de História e militante da União da Juventude Socialista – UJS, Herbert de Andrade, que naquele momento exerce a função de secretario.
Os informes são dados.
“Na quinta- feira (26) acontecerá uma seção especial na Câmara dos Vereadores”, “A coordenação do movimento foi procurada por alguns vereadores da bancada de oposição da câmara, que se colocaram a disposição para ajudar o movimento”. A equipe de mobilização começa a informar como anda o processo de articulação nas escolas e universidades da Cidade, as informações dadas pelos membros da equipe deixam todos muito animados. As caras ansiosas do inicio dão espaço para rostos eufóricos, com ar de vitoria e um jovem diz:
“Acredito que podemos colocar mais de dois mil estudantes na rua amanhã e esse será a maior manifestação, desde os caras pintadas”! Sentado na ponta esquerda da mesa, Davizinho, como todos os chamam, fala isso com um ar de riso. Mas as palavras do militante da UJS, ditas com ar de graça tiveram um efeito forte nos presentes. Efeito esse reforçado pelas notícias da equipe de infra-estrutura, que informa ter para o ato: sete ônibus, cinco carros de som e um grupo de maracatu que fará a animação.
Após os informes tem inicio as falas dos participantes e surge uma questão: Os participantes do movimento devem dar ou não entrevista a rede Paraíba de Televisão? Que vem deturpando a imagem do movimento chamando os estudantes de baderneiros entre outras coisas. Fica decidido que se deve sim dar entrevistas, mas que o discurso precisa ser unificado no intuito de mostrar que o movimento é pacifico e está apenas reivindicando um direito de toda população.
A reunião prossegue para decidir qual será o trajeto do ato e à hora da concentração, alem disso fica combinado que todos devem vir de branco, como forma de mostrar que a mobilização é um ato pacifico.
Após me disponibilizar para fazer parte da equipe de comunicação do movimento, acompanho um grupo que atende o convite do Ítalo Jones e me dirijo até a sala do tablado, onde será ensaiada intervenção do Teatro do Oprimido.

“A palavra se faz soldado, para não morrer de esquecimento” (subcomandante Marcos)
A proposta: o teatro, a poesia e o grafite

Sentados no tablado em circulo todos ouvem atentos o Ítalo Jones, que apresenta a proposta para a montagem da intervenção teatral.
“Bom camaradas, como falei para vocês no telefone, vamos fazer uma intervenção do TO na manifestação de amanhã. Trabalharemos com a técnica de teatro imagem, que acredito que todos aqui presentes conheçam, usaremos essa técnica por sua facilidade de montagem já que dispomos de pouco tempo.” Após algumas duvidas sobre o que é o teatro imagem, algumas pessoas presentes não conheciam, Ítalo segue com apresentação da proposta.
“Bem a proposta é encenarmos amanhã a repressão policial sofrida pelos estudantes na última quinta feira, usando o teatro imagem e trabalhando com os poemas; A flor e a náusea de Carlos Drummond e A quarta declaração do Subcomandante Marcos, intitulada A flor da palavra.”
Deixando um pouco a narrativa da reunião de lado, a fim de esclarecer os que por ventura não estão ciente do que aconteceu com os estudantes na última quinta- feira segue uma pequena noticia do ocorrido no dia de São José.

PMs agridem estudantes no terminal de integração

Na manhã da ultima quinta feira, 19, um grupo de estudantes que reivindicavam pela redução da tarifa do transporte coletivo, foi agredido por policiais militares no terminal de integração de Campina Grande.
Após caminharem pelo centro da cidade e ocuparem de forma pacifica a Câmara Municipal, os estudantes se dirigiram para o terminal de integração, após a entrada no local e depois do ato já ter terminado, a tropa de choque da Policia Militar chegou ao local e investiu contra os estudantes.
Com violência desnecessária os policias começaram a revistar as bolsas dos estudantes, uma jovem recusou ser revistada, por um policial masculino e foi agredida e presa por desacato. Os companheiros tentando intervir foram todos tratado da mesma forma, ao todo oito estudantes foram presos entre eles três menores de idades, que também foram brutalmente agredidos.
A polícia, diz que estava apenas cumprindo o seu dever, pois recebeu um chamado dizendo que os estudantes estavam destruindo o terminal e ao chegar foi desacatada pelos jovens. O estranho é que os policiais sabiam bem, quem eram as lideranças do movimento e só chegaram depois que a maioria já havia dispersado.
***
Bem voltando ao planejamento da intervenção, Jones explica que também entrou em contato com a “galera” do grafite e que eles vão grafitar uma rosa no meio do asfalto enquanto são declamados os poemas. Alguém sugere que seja feita uma leitura dos poemas, sou incumbido dessa tarefa e começo, com muito gosto, a recitar “Flor e a Náusea”. Após minha leitura é lido “A flor da Palavra”, a quarta declaração do Subcomandante Marcos, feita pelo Ítalo “Conselheiro” Jones.
Está aberto o diálogo varias idéias são apresentadas e discutidas pelo grupo, fica decidido ler na integra o poema do Drummond. Isso foi um apelo do Tone Eli,integrante do grupo MARXUVIPANO, que não conseguia cortar nenhuma parte do poema, com medo dele mesmo sentir as dores.
“Cara não dar pra tirar nada, desse poema não, é muito simbólico. Vamos usá-lo na integra.” O apelo foi logo aceito por todos, principalmente por mim e pelo outro Marcos do grupo, que já tinha recitado esse poema em outra ação do Teatro do Oprimido.
Dividimos as equipes em imagem e palavra. Fico na equipe da palavra e saio da sala em companhia dos dois personagens citados acima, nos dirigimos até uma lanchonete seguindo os apelos do Marcos Pablo.
“Camaradas estou morrendo de fome ainda nem almocei, vamos nos reunir numa dessas lanchonetes aqui perto”. A batata recheada pedida pelo Pablo foi dividida com muita gente e entre um gole e outro de Coca cola fomos decidindo como seria a nossa parte da intervenção.

“É por amor à vida, que estamos lutando e vamos andando lentamente, para buscar a luz e a liberdade das manhãs de sol.” (Zé Vicente).

“Sempre viveremos. Não nos renderemos”

Terça feira, 24 de março de 2009, dia da manifestação. Tínhamos combinado de nos encontra no antigo MAC, Ítalo, Pablo, eu e os outros voluntários, as 09hs da manhã, para fazer um ultimo ensaio e organizar os detalhes que faltavam para a nossa intervenção.
Ansioso como sou, cheguei antes do combinado, 08hs e 30min já estava lá. Desci do ônibus na esperança que os demais companheiros, também tivessem se antecipado, e assim começaríamos mais cedo, e ganharíamos o que tanto nos falta hoje , tempo. Não chegaram e como sempre tivemos que lutar com “Cronos” para fazer uma boa apresentação. O pessoal foi chegando e teve inicio o trabalho de confecção do figurino dos policiais,um colete feito de papelão e cassetetes de cano de pvc. Um problema surgi para animar o dia, como cortar os canos? Ninguém tinha lembrado de trazer uma serra ou de pedir para o Ítalo e o Tone, que tinham saído para pegar os papelões que seriam usados na confecção dos coletes para trazerem uma.
Foi trazida uma faca, emprestada pelo vigilante, mas que infelizmente não serrava nada, mas como estamos fadados a criatividade conseguimos cortar os canos e produzir os benditos cassetetes, viva a faca sem dentes! Durante o acabamento dos coletes, foi dado a idéia de ao invés de usar o nome 'choque' seria usado 'choco' uma forma de satirizar um pouco com a policia e suas ações. A expressão surtiu muito efeito e causou um grande impacto. Todas as pessoas por quem passávamos,durante o caminho até o local da intervenção comentava sobre o escrito no colete,uns riam e diziam que realmente os policias eram 'chocos' e 'chatos' e outros viam como desrespeito a nossa atitude. É não se pode agradar a gregos e troianos, via a diferença!
De longe já ouvíamos a batucada do maracatu, e o buzinar dos carros o que era pra nó um anuncio de que a mobilização estava a mil. De frente do ponto de ônibus da praça da bandeira, do outro lado da rua, tinha se formado uma grande ciranda e o carro de som anunciava achegada do pessoal do Teatro do Oprimido. Enquanto Ítalo ao microfone convocava o pessoal para assistirem a nossa intervenção, os outro membros do grupo e eu recrutávamos pessoas, que estivessem com blusa branca para participarem da encenação. Mas uma vez Ítalo pega o Microfone e diz:
“Permitam- nos apresentar! Somos os estudantes que na ultima quinta feira, dia de São José, foram espancados por aqueles, que deveriam nos proteger. Hoje aqui utilizando a arte teatral viemos para mostrar para vocês como esse fato aconteceu.”Um som de apito é ouvido e uma marcha militar começa a tocar. Duas filas de estudantes agachados e com a mão na cabeça é formada. Cinco policiais empunhando cassetetes entram em fila indiana, o líder ordena que os estudantes sejam revistados,uma voz feminina é ouvida.
“Sou mulher e exijo ser revistada por uma policial feminina!”, diz uma estudante com a palma da mão erguida para a frete. Nesse momento da encenação as pessoas que assistem gritam,lavados pela emoção de reviver aquela cena outra vez, uma das jovens que estava sentada no chão gritava: “É, isso ai foi comigo, foi comigo!” enquanto as imagens que representavam as ações dos policiais contra os estudantes eram formadas, eu caminhei pelo meio do pessoal para ouvir alguns comentários.
Um senhor que tinha parado para ver aquela movimentação, que impedia de passar o ônibus que ele estava disse: “ Não sabia que tinha acontecido dessa forma, foi mostrado de maneira totalmente diferente na televisão. Ia dar uma surra na minha filha, que está ali sentada ao invés estar na escola, mas agora vejo que os estudantes é que tão comprando a briga que era pra ser nossa”
Depois de todas as imagens de opressão montadas, começa a declamação do poema 'Flor de Náusea ' e a grafitagem de uma rosa no asfalto.
“ Uma flor nasceu na rua! O tempo não chegou de completa justiça! Posso sem armas revoltar-me?”Gritos e aplausos são ouvido após cada verso do poema. Inicia-se a declamação da quarta declaração do subcomandante Marcos...
“... A flor da palavra não morre, ainda que em silêncio caminhem nossos passos. Em silêncio se semeia a palavra. Para que floresça a gritos, se cala. A palavra se faz soldado, para não morrer de esquecimento. Para viver, se morre a palavra, semeada para sempre no ventre do mundo. Nascendo e vivendo morreremos. Sempre Viveremos. Não nos renderemos.”
A ultima frase é repedida varias vezes como um poético grito de guerra e os estudantes saem em marcha a caminho do terminal de integração onde será feito o ultimo ato e a dispersão do manifestantes.
No ônibus que pego de volta para casa, ouso uma conversa entre duas senhoras, que dizem que nó estudantes somos uns baderneiros e que não temos nada o que fazer, por isso estamos atrapalhando a vida dos outros. Confesso que tive vontade de dizer umas poucas e boas a essa senhora,mas depois vi que duas jovens estudantes universitárias diziam que a nossa luta não adiantar de nada.
Fico triste,mas me vem a cabeça nesse momento uma depoimento que ouvi de um jornalista paraibano que militou contra o regime militar. “ Hoje eu vivo porque lutei,sou a minha luta, estou aqui sendo lembrado porque não fiquei escondido com medo,mas lutei com tudo o que podia e da maneira que podia!”Olho para as duas senhoras e as estudantes e abro um leve sorriso e antes de descer do ônibus digo-lhes:
Sempre viveremos. Não nos renderemos! Acredito que assim sempre seremos lembrado, uma flor nasceu no asfalto.
Marcos Moraes