A chave gira o cilindro e abre a portinha metálica da caixa postal. Nada de encomendas ou mensagens, apenas o vazio. Saio do prédio dos Correios com uma estranha sensação náufraga, que me empurra sem razão para o café Aurora.
De longe, o grande prédio antigo, fardado de cinza, como um gigante ciclope a nos observar com seu olho-relógio. Os homens e os pombos, aos bandos, conspiram um não sei o quê. As pedras portuguesas, encardidas e irregulares, desafiam os pedestres mais apressados que margeiam a Praça da Bandeira.
A imagem do prédio não me sai da memória. Lustres amarelados e uma escada que mais parece arquibancada de vendedores de papel e envelopes. Um gradil de ferro com desenhos simétricos que dão um ar de castelo fortificado. No entanto, a pele cinza do monstro parece tatuada com inscrições que nos lembram que estamos no século 21.
Alguns dos arabescos em spray dos pichadores são de difícil leitura. Tatuadores urbanos demarcam seus territórios na pele fria da cidade. Alpinistas do abandono preferem as madrugadas para a escrita dos sonhos indecifráveis.
Poetas do instante, combatidos pela polícia e odiados pelos vigilantes, os pichadores se reúnem em bandos como os políticos. Vândalos adolescentes incorporam ao já poluído meio urbano à saturação de mensagens, como um anúncio sem produto.
O prédio dos Correios e Telégrafos já foi quase todo pichado como uma imensa carta cinza extraviada. No café Aurora, às vezes me pego pensando coisas do tipo: por que considerar os pichadores como pessoas que sujam as cidades quando em época de eleição esses outros distintos senhores de terno & gravata se acham no direito de tingir as ruas com suas repetidas e periódicas "ideologias" coloridas?
Subo a Getúlio Vargas em direção ao Cata Livros. A discreta ladeira não me deixa sem pensar na questão. Leio a grande carta cinza extraviada mesmo sem entendê-la. Alguns pombos desgarrados voam baixo, entre lavadores de carro e a Faculdade de Contabilidade e Administração. Pombos sem mensagens numa época de confusão e entropia entre os homens. Uma época de ruídos indecifráveis, uma época naufraga de si mesma, um vazio de utopias feito minha caixa postal.
Carlos Azevedo
cronista, jornalista e professor da UEPB
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